domingo, 30 de dezembro de 2012

Onde estávas, minha amiga,
quando o tempo era árduo e quebradiço?
Acalenta-me agora pois se vê o Sol
e os pássaros cantam em tua janela
Teria passado um minuto
ou uma semana inteira?
Enxugas e estenda o tempo
antes do pôr-do-sol, minha cara
Terminas a tua gargalhada
para que eu recupere meu fôlego também
Disso sai: não hei de ser mais eu mesmo
do que quando perto de ti, ao teu lado
Olha-me, com teus grandes olhos castanhos,
apenas quando te vejo
Cada momento teu é nosso!
e, na tua ferida, eu te beijo...

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Fez-se o sol pelas esquinas,
becos e viadutos
janelas e portas
banhistas e mendigos

naquele dia, cada gota de suor
era mais uma apenas ,naquele oceano
de almas...
e ,no fim de tarde, a lua havia enxugado
o mundo da indiferença humana 

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Não ame pouco,ó casal!
para quem não enxerga
é indubitável o erro!

Não ame demais, ó casal!
pois quem admira o sol
tem os olhos queimados!

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Em noites frias e úmidas,
a cidade dos pecados
faz ecoar pela janela
seu humilde acalento:

tuas palavras longínquas,
único calor e cobertor meu
para aconchego, e, depois...

fingo que me amas
 e durmo como bebê.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

E o velho se espreguiça na esquina,
cruza seus braços,
joga seu olhar,
e o devolvem, cada pessoa a cruzar

O homem de barba branca
não mais se importa,
com nada ou ninguém
apenas encara quem o encarar também

Sentado em um banco de manhã
com sua cara fechada
encarcera-se em 5x3 metros quadrados
Não vive a vida mas observa os fatos

domingo, 21 de outubro de 2012

Ventilador oscilante no teto
e a luz fosca da lâmpada
criam ,quadro a quadro,
um desenho animado

Desenho dos fantasmas
desta noite de relâmpagos
Desenho desanimado
dos meus fantasmas sequestrados.
Sombrio e malogrado está o céu!
sem azul bebê ou branco de nuvem
é o preto que tu vês!

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

                     I
Meu amor por ti não se rasteja,
há algum tempo,
pelo chão de minha consciência.
surra de seu desalento

                     II
Novo e forte, se embriagava
em torneiras e alambiques alheios
Corria nu sem pudor
e mergulhava no mar de sua graça

Velho e ranzinza, hoje
pragueja aos céus e implora perdão depois
Não sente mais tanto desconforto
quando esconde seus ciúmes

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Devaneios, fantasias e ficções
não me deixam adormecer e,
tampouco, acordar!

Nesta caatinga de galhos pensantes,
quem já mediu a largura
da linha entre o presente e o sonhar?

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Caem os céus e com eles
a realidade insustentavel, leve
Débeis e grosseiras emoções
lutam no cenário da mente.

não tomo partido...

Que se acabem uns com os outros!
e, assim, minha mente será deserto
Talvez, dentro dele, descubra um oásis
e me ache no reflexo de uma lagoa!

Verei e serei quem eu sou
e não mais precisarei destes versos
para justificar minha insípida loucura.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

então, a jovem o tragou
e expeliu seus demonios naquele vapor
vapor morno e sutil daqueles beiços
último calor de sua alma...

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Enquanto o horizonte se afoga
entre o mar e o céu azuis
e as estrelas se lembram, aos
poucos, o caminho do cosmos

Verdades são cuspidas e engolidas,
realidades nascem e morrem a instantes
e a vida e o planeta giram e giram
como pernas de uma bela bailarina

Não há o que temer, ó criança desgarrada
Irá querer viver apenas para entrar
nessa eterna ciranda e cantar a canção
dançar nesse descomunal ball saloon a flutuar 

sábado, 1 de setembro de 2012

Ao longo da calçada, caminhava , sutilmente, o plerpexo escritor. Nada mais fazia do que pensar e pensar era sua existencia; os pés apenas acompanhavam o ritmo de sua frenesi. Luzes de apartamentos e neons de outdoors pintavam o singelo cenário ao redor da lagoa. Lugar escolhido por ele ou, como diz o próprio, destinado a ele, era o palco de suas magníficas peças teatrais e monólogos onde pedaços de sua personalidade entrecenavam e debatiam , sem escrúpulos, sobre todos os mínimos pormenores da existência humana. Cabia a ele pôr ordem à peça; conciliar as partes. Já era tarde da madrugada e a lagoa agora não refletia mais luzes da cidade; o luar se encarregava de dar a luz à mente tortuosa do irreverente pensador. Olhava para as estrelas e tentava lembrar as que faltavam. Lembrava da noites solitárias do campo onde se tinha a impressão de que o universo estava logo acima de sua cabeça e , como em um jogo de ligar pontos, refazia as costelações perdidas, afugentadas pelo céu urbano. Sentou no primeiro banco que achou; já caminhava à horas pela calçada e pelos pensamentos. Não sabia se lhe doia mais os pés ou a mente e relutou em persistir em uma resposta; sabia que iria apenas machucar mais a última. Tomou um longo fôlego e tratou de curar sua indiferença. Seu último pensamento antes de se esconder em alguma desconhecida constelação daquele céu de retalhos foi: Penso, logo, existo; se não penso...

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Trazer do dia e noite
a morte e o nascer
de uma realidade nova
insuficiente e incapaz

Desta máxima reles
a reencarnação contínua
do homem e seu ego
é devidamente obrigatória

(Talvez, única cura da fatalidade
de ser , constantemente, humano)

sábado, 25 de agosto de 2012

Enraiveçe e cresce descomunalmente
como uma tempestade por vir
Seus  olhos vermelhos rasgam a alma
de quem os encarar
E seu instinto, finalmente, se atiça
ao ver quem ou o que nunca poderá ser
Eu o aprisiono

Todo dia, diz-me mentiras ou verdades mal contadas
grita e esperneia; quer sair do cárcere e, penso eu, de si mesmo
Tenta-me toda tarde e ,a noite, apenas olha-me
cego de raiva, cego de ilusão

Não sei mais o que fazer com o demônio enjaulado
Não morre e não envelheçe a criatura malograda
Ao invés, se nutre de meu medo
Covarde que sou eu, não admito encará-lo de frente
e ver-me como num espelho


quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Cante, minha cara,
que o momento é esse!
brade seus amores e dores
pra quem não te escutas

Não tapam mais sua boca
e deixaram de censurar teus caprichos
quando uma voz era um grito

onde todo mundo e ninguém eram inimigos

Dançe, minha querida,
que o momento é esse!
chame teu par escondido
e diga que o sol nasceu mais uma vez

Não te seguram mais
e sabem que teus passos
são você quem faz
quando um pulo era um abismo
onde o escuro não deixava ver o chão

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

menino, não pisa na areia
que o chão é mais seguro
tu não és maior
que os grãos de areia debaixo de ti!

menino, não entra no mar
que ele é forte e bravo
a vastidão dos oceanos
não fazem de ti uma gota

menino, não olha pro sol
que vai queimar teus olhos
protetor solar nenhum te protege
muito menos esta tua pele pálida

mulher, deixa eu brincar
na praia que tanto amo
não sabes que eu
sou também o sol, a areia e o mar?

domingo, 12 de agosto de 2012

Um beija-flor entra pela janela
trincada e empoeirada
de um apartamento fantasma;
não há mais ninguém lá, só memorias

O resto de açucar na xícara
trouxe o pássaro ao apê
Talvez assim alguém sinta o gosto de vida
e volte a morar em ti, pobre desolado

Retratos da família, marcas de giz
nada menos que cicatrizes e mágoas
dores de vinte anos partidos sem adeus
e um silêncio deixado para trás

Um dia, o açucar da xícara acabou
e o beija-flor voou longe
Não lhe apetece o amargo do resto
o sabor de niguém; solidão

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Veja em ti as rugas
rugas novas, rugas nossas
marcas da tua expressão loquaz
cicatrizes de um passado inteiro

não escondes tua face
atrás de maquiagem ou cirurgia
passado verdadeiro é o teu
que transparece como nos olhos

salvo os cabelos brancos,
não te preocupes com o resto
sabes muito bem que o tempo,teu filho,
é misericordioso

Roubou de ti algumas lágrimas
mas te deu o nosso doce e eterno amor

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Um cachorro sem dono se deita
e acomoda-se na varanda alheia

Sem rumo, leva a vida mansa
aquela vida de pousada de barraca

E, entre afagos e cafunés, dorme
com o sussurro da maresia ao ouvido

Ai de mim que durmo em cama!
e nasci animal racional

sábado, 14 de julho de 2012

há uma mulher apenas
sentada no banco da praça
onde, ela, timidamente
lê o livro entreaberto

segura-o com seus
dedos de porcelana
à vista dos olhos passantes
e de seus, castanhos

ao fim da folha,
umedeçe os lábios e
lentamente, passa a folha
com seu delicado dedo molhado

assim, se passa o tempo
e ,entre cada mecha de cabelo
que cai e piscar de olhar involuntário,
o momento se refaz e faz...

e a vida é linda
e a vida é aquela mulher
apenas 



segunda-feira, 2 de julho de 2012

Não tanto espero
que o que farei
se torne lágrimas
dos que no coração
nada têm além de ódio
mais do que uma página
no tabloide de amanhã

Não espero também
que meu ato seja
martírio e que essas palavras
 sirvam em discursos
de palanque ou em rezas
pelos que encontrarei
afinal

Em silencio , grito por todos meus irmãos
que não puderam.
quero que minha paz
seja sentida por aqueles
que atiram
e que meu sofrimento
de agora me liberte e
ensine

Finalmente, espero que o fogo
que me arde o peito
termine de me consumir
a carne e que a luz
da minha alma seja vista
pelos que não fecharam
os olhos ao mundo
e ,assim, me desfaço.




(Thich Quang Duc nascido em 1897 e originalmente batizado de Lâm Van Tuc, era mais conhecido como monge Mahayana. Ele ateou fogo ao próprio corpo em um processo de auto imolação em 11 de junho de 1963, em Saigon – Vietnã do Sul, contra a política de perseguição religiosa promovida pelo governo de Ngo Dinh Diem. Enquanto seu corpo ardia sob as chamas, ele manteve-se completamente imóvel, não gritou e nem emitiu qualquer ruído)




quarta-feira, 20 de junho de 2012

Gentis pétalas rosas distraídas
voam e dançam
no outono japonês
São das mais belas marionetes
nas cordas que o vento brinca.
escondido teatro da natureza

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Não! A madrugada não é
passagem de tempo
varrido como fazem os garis
há ainda mistérios que
alguém não enxerga
É o amanhã do hoje de mais tarde

Devagarinho, os ponteiros
dos segundos é comido
pelo dos minutos e este
pelo das horas e o Sol
ainda é feto na barriga
da Mãe cosmos

Quando tudo ainda é inacabado
e impreciso por esperar o amanhecer
para acabar de ser,
há os trens e farois de rodovias
que trabalham ,incessantemente, a ninguém;
esperam amistosamente que
o primeiro trabalhador acorde
e quebre a imutabilidade das coisas

segunda-feira, 4 de junho de 2012

As velhas e gordas sereias
da Praia de Iracema
cantam e seduzem em vão

Não há mais rapazes 
que se aventuram a nadar
ao encontro delas sem
pegar micose ou afogar-se de tristeza

Ao que tudo indica, serão transferidas
ao futuro aquário, onde dançarão
aos risos de meia dúzia de turistas

sábado, 2 de junho de 2012

Neste instante, o ar pesa tanto! Um exíguo poste de luz traça meu caminho na escuridão. Já era demasiado tarde e, felizmente, os poucos postes que funcionavam estavam perto de mim. As desconexas casas escoradas umas nas outras dão um aspecto pitoresco àquela solitária rua. Não diferia das outras daquele munícipio; tudo parecia se repetir, pobre e simples. Caminho errante pelo desconhecido; assustava-me como parecia que a cidadela tinha vida própria. Naquele momento, estava a dormir em sono profundo e distante. Cheguei em uma esquina, finalmente, e tentei balbuciar o nome do sujeito na placa que indicava onde eu estava. Esqueci de mencionar que ,devido a algumas taças de vinho e uma rápida fuga da casa, onde comemorava o aniversário da sogra, para mijar, estava naquele estado lastimável. Minha esposa me intimou a ir para o aniversário de sua mãe; pensava que o álcool serviria bem a minha paciência. As palavras na placa agora não me faziam sentido; uma mistura de consoantes me fez questionar se não havia pego o avião errado e viera a alguma vila russa ou algo assim. Decidi continuar indo reto até alcançar algo ou alguém que ajude minha penosa alma a achar o caminho de casa. Enquanto isso, castigava minha cabeça tentando expulsar qualquer projeto de pensamento desconfortante; entrar em pânico seria um ato covarde e não queria passar vergonha diante dos respeitosos convidados. Mas aquele ar... parecia que o fôlego não me satisfazia e, a cada passo, sufocava-me mais com minha embriaguez. Minha tênue sombra era minha companheira mas, com ela, não poderia conversar, então, para me distrair, ouvia a conversa dos grilos noturnos. Cantavam e colocavam o assunto em dia ,já que, apenas naquela hora, que achavam sua paz. Julgava que passava perto deles pelo ríspido tom que a conversa, repentinamente, adquiria. Não ficavam felizes com forasteiros; tramavam, a cochichos, contra mim por ódio de estar profanando sua hora sagrada. Tratei de apressar o passo e sair de longe dali; não

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Deixemos o bolo
na mesa de jantar
A família suburbana
não irá a nenhum lugar
 nem o bolo...

Não dividem o bolo
com as formigas ou
roedor hospede

 Não é egoismo, não,
caro leitor bem nutrido,
É que, na falta de pão,
não há homem, só instinto

quarta-feira, 9 de maio de 2012

No terreno baldio,
por cima dos
fios eletrícos,
das velhas capelas....

Estavam lá,
rápidas e mudas,
as crianças descalsas
que empinam pipas
rasgadas e coloridas

Envelhecem depois
e pensam que tolice
era pegar os sonhos
ou Deus
tentando tocar
em fugazes nuvens
de algodão divino

Não se lembram mais que
os murmuros do vento
eram a voz do Verbo
e o céu, as vezes, tinha
a condolência de
 mostrar o futuro
no pôr-do-sol


domingo, 6 de maio de 2012

Diante da gélida e estática
sala de operações
Ruidosas maquinas abrem corpos
, milimetricamente precisos e
indiferentes.

Interrogam se acham o
mencionado orgão vascular
humano a quem eles faziam
tantos pífios escritos e
mundos paralelos.






segunda-feira, 30 de abril de 2012

Não se conheçe
o verdadeiro valor
da ingenuidade

Tanto é o pífio
defeito de um brasileiro
como uma doce desculpa
para a impunidade

(Quem sabe se aquela velhina
ao volante do automóvel
a disparar o alarme
é uma simples leiga
a assuntos eletrônicos
ou uma indiscreta ladra
de carros?)

sábado, 28 de abril de 2012

Alguns sonetos têm
o indistiguível dom
de brotarem do chão
casuais e belos
Outros precisam
que sejam arrancados
e desenterrados do solo
para depois serem limpos
e lidos

A perspicaz ideia
da invenção da mentira
surgiu do pobre coitado
cujas ovelhas perdera
na feira (ou não)
Mal sabia ele
que acabava de criar
a primeira arma de alienação em massa

quarta-feira, 25 de abril de 2012

o menino inglês

Repousava sossegado na cama ao pé da janela; pensava em que iria fazer pro jantar ou olhava se a mercearia do fim da esquina já abrira. Era garçom de um café antigo na pacata Durham, onde as pequenas casas de subúrbio se entrecruzavam e compunham a paisagem. A tranquila cidade em que morava desde que saí da métropole. Recordava que acabara o terceiro grau quando percebi que nunca havia pisado em solo  fora daquele redemoinho de pessoas e edificios; estava sufocado e aprisionado em meu próprio berço. Meu universo, incrivelmente, existia em apenas alguns quarteirões em que passei a vida rotineira que meu pai viveu e o pai dele também. No mesmo dia dessa recordação, peguei o bendito ônibus que conduziria o resto de minha vida e logo chegando, tratei de arrumar um quarto decente, pequeno o bastante para me comportar, grande o bastante para aguentar minha fome pelo mundo, minha única razão e propósito. À tarde, perambulava pela cidade atordoado pelo o diferente, o novo e o simples. Conversava com pessoas anônimas; não resistia em ouvir suas vozes que soavam para mim em outra língua e cantavam as belezas desse novo mundo. Entrando em um velho prédio, acenei para o atendente. Um grande e alto escocês de longa barba cinza e ombros largos veio ao meu encontro. Seu sotaque lhe diferenciava dos demais; era um tanto excluído por causa dele. Notava-se agora a quietude e a doce solidão que aquele lugar emanava. Roguei a ele algum simples ofício que pagasse as contas e sossegasse minha alma. Ele ,com um vago sorriso, apenas disse-me que estava no lugar certo e , minutos depois, fazia parte de lá como o velho escocês. O sabor daquela pequena conquista ainda percorre na minha boca com o mesmo júbilo daquele singular dia, meu primeiro. Naquela noite, sonhei que era uma criança nua em meio à savana.No quieto entardecer da natureza, sentei e encarei o leão a minha frente; o animal , em seguida, fez o mesmo. A noite trouxe a grande chuva à savana mas o tempo e espaço pareciam ser simples coadjuvantes de nós. Vi nos ternos olhos do leão a minha imagem refletida envelhecendo. Não tardei em perceber que eu era o leão e o que vira era o futuro em meus olhos. Olhei para cima e um pingo d'água foi o bastante para acordar-me.
Tenho que ligar pro vizinho do andar de cima; seu varal goteja em minha janela todas as tardes em que fecho os olhos

domingo, 22 de abril de 2012

Por lá

Lá os estreitos corredores das habitações se desdobram feios e infinitos
Lá o bueiro recebe fartamente o lamaçal e o esgoto do submundo

Lá se formam futuros borracheiros, porteiros, garçons
Lá as crianças brincam de cheirar pó e de "policia e ladrão"

Lá o tempo anda depressa; anda com medo
Lá a vida é curta e , as vezes, não mais tem razão; vive-se por ter nascido

quinta-feira, 19 de abril de 2012

O homem e o rinoceronte

O cólerico e imponente rinoceronte emite seus grunhidos animalescos; está prontamente posicionado ao ataque.O franzino e petrificado homem estende-se à cerca de dez metros da fera. Não fazia ideia do que estava fazendo ali, naquele momento, naquele lugar; não recordava. Incrivelmente o instante de choque em que se encontrava não o dava espaço na mente para mais nada a não ser mentalizar o rinoceronte à sua frente. Mesmo se recordasse, não ia fazer diferença e, possivelmente, tais segundos de esclarecimento lhe custariam uma vida. Enquanto o duelo mexicano prolonga-se, o homem parece ouvir gritos e ver certos borrões fora de foco ao redor do rinoceronte; concordou que aquilo era uma mera ilusão ,já que sua realidade estava ,obviamente, reduzida ao brilho por sangue no olhar fulminante que o encarava. Tenta não acreditar que o rinoceronte estava associado à sua morte; não queria morrer tão dolorosamente em uma tragédia certa. Tratou de rejeitar este pensamento negativo; deixou-se levar pelos seus instintos de sobrevivencia herdados da época em que o rinoceronte e o homem não se diferiam tanto como hoje. De súbito, podia se ver dois animais em iminente confronto. O menor parecia mais fraco e qualquer expectador alheio à sagacidade humana poderia apostar sua fortuna no maior, contudo, o pálido hominídio tinha uma coisa à seu favor: o raciocinio de jogar areia nos olhos do adversário. E foi exatamente o que ele fez! O rinoceronte desorientado dá alguns passos sem ver: o tempo necessário para o homem fugir e esconder-se. Recobrou a lucidez e agradeceu à mais eficaz arma de combate: a malícia. Viva a raça humana!

diagnóstico

Padecer de amor não é infortúnio ou desventura
como dizem os especialistas e os livros de auto-ajuda
Confirmar a misteriosa existência num  momento de paixão
é viver eternamente nas entrelinhas da história da humanidade

(Um suícida não é mais que um avulso e bem-intencionado
historiador)

quarta-feira, 18 de abril de 2012

existir

A arte que tanto apetece
não é toda feita pelo artista
A tela que tu vês também pede
teus dois olhos para ter vida

segunda-feira, 16 de abril de 2012

sonhos... acordar?

Naquele sonho, as almas incessantes vagueavam
nas calçadas de todas as cômodas cidades.
Clamavam por ouvidos que as escutassem;
brandiam as infinitas verdades do outro plano

 Eram solitárias e por terem há pouco falecido
não tiveram tempo de esquecer os que viviam
Errantes, teimavam que alguém acordasse
e confessasse as palavras divinas para o bem da humanidade

Aquelas mais velhas, desistiam e emergiam-se na eternidade dos cosmos
Há séculos que eram ignoradas e ,enfim, desiludidas, simplesmente, paravam de tentar
Entendiam que os mortais não tinham amadurecido o bastante
E que apenas a morte traria consigo a sabedoria dos anjos

Infelizmente, por mais sábias que eram, as almas esqueciam do detalhe
de que quando o amanhecer urdia acordar os vivos
Aqueles que recordavam deste sonho
punham-se a esquecê-lo de imediato

(Parece que de acordo com o paradigma social do século 21,
as pessoas que falavam demasiado de seus sonhos
Eram logo indentificados como loucos e excluídos
 para a segurança e bem da sociedade)

quinta-feira, 12 de abril de 2012

sede

O vinho tinto e suave derramado
no carpete da sala
do burocrata bem pago

É da mesma cor do sangue
despejado pela bala que fura
a criança esquelética e termina seu fardo

E o pormenor que faz-se esquecer,
diariamente,
é que aquele tem gosto doce
e, este, amargo!

quarta-feira, 11 de abril de 2012

relato de um bandeirante

Por entre enormes ipês e teias de cipo, avistei, de relance, aquele vulto.Admiti que era uma espécie de bicho por estar, obviamente, em plena mata virgem. Nenhum cristão havia se posto a caminhar por esta floresta; muitos desistiram pelos atrozes boatos de criaturas perversas e barbáries encontradas apenas no Novo Mundo. Não tardei de limpar o suor - aquele calor infernal - e carregar a escopeta. Mandei os poucos mas bravos homens que consentiram em acompanhar-me a fazerem o mesmo. Sentia que algo estava a aproximar-se. Minutos se desenrolaram ; uma pequena eternidade para nossos fatigados corpos. Estavamos a duas luas cheias no mato e não encontravamos os crioulos que o senhor mandara recuperar. Pelo seu tom ríspido e urgente, notei que a recompensa por aquelas cabeças seria um tanto generosa. Tem sido assim na Colônia nos últimos meses; a nau que encarregara de abastecer esses senhores "naufragou" misteriosamente. Algo se moveu... O vulto retornou mas agora se despia da sombra. Acertara quanto ao que era; um índio, bicho mais astuto da mata. O sol mostrava sua pele marrom, traços finos e corpo semi-nu e liso. Estava pintado de vermelho no rosto e amarelo em outras partes do corpo; estas formando símbolos que jamais decifraria. Provavelmente, estava a par de algum ritual pagão de caça. Naquele momento perseguia um porco-do-mato mas, assim que sentiu nossa presença, escondeu-se de novo naquele labirinto infinito que eram aquelas plantas.Mil e uma coisas detestáveis podia falar a respeito daquela criatura mas admitia uma qualidade apenas: era a única espécie que sabia desvendar as inúmeras sutilezas e nuances daquele labirinto. Ouvi um tiro. Onde estava aquele bandeirante que conversara outro dia; estava ao meu lado? Mais dois tiros... Meus gritos por alguém agora confundem-se com os de desespero de outros homens. Não sei por onde o alvorolo começa ou termina; estamos sendo acertados por todos os lados. Como lutarei com um fantasma ?!?! No momento, consegui mover alguns músculos inúteis por instinto; nenhum deles impediu daquela infeliz flecha me acertar o coração. Caí ,de súbito, no chão. O sangue ,que afinal de contas não era azul, derrama e mancha as vestes. Não tenho forças pra quebrar a flecha; não importa mais. Sei que agora sou o único sobrevivente da bandeira.Escuto o leve barulho de pés descalços que se aproximam. Aproveito os momentos antes daquela deplorável e iminente morte e finalmente descanço. Contra a luz do sol trópical, encaro o mesmo vulto que reparei momentos atrás. Ele estica a ponta da flecha em direção à minha cabeça e grita algumas palavras de sua língua. Mal termina e ,como quem abate uma caça, faz a ponta de madeira atravessar minha testa . Um a um, os índios foram embora. Não enterravam os inimigos; deixavam que a Mãe Terra se encarregasse disso.Neste momento, jaz meu cadáver ainda quente no chão úmido da floresta. Não fazia diferença para ela; era apenas mais um animal morto. Reflito agora que tenho tempo. No fim , parece que aqueles negros vão conseguir escapar dessa vez; não há mais tempo do coronel contratar bandeiras antes que eles cheguem ao quilombo. Penso também que teria sido mais perspicaz da minha parte ser um caçador de índios. Talvez ainda estivesse vivo. Maldição! Morto tão facilmente por aquela besta sem alma, pela própria presa

segunda-feira, 9 de abril de 2012

murmuros do vento

Arranco esses versos infâmes em sacrifício à ti, espirito incessante
Por noites sem fim premeditei; almejava achar ao menos o que procurava
Foste minha musa, a verdadeira e, alias, única expressão dessa ingênua inconsequência
Finalmente, rogo à ti que tardes a ir embora e , quando fores, deixes, por obséquio, um pedaço de mim.

domingo, 8 de abril de 2012

adeuses

E, ao meio-dia, estavam os dois ao pé da rodoviária no fugaz e eloquente instante do último encontro
E ele a dava uma rosa; gracejo simples, antes símbolo de amor do que de paixão leviana
E o grito do motorista interrompia aquele terno e volátil beijo de despedida
E ela o via entrando no ônibus deixando apenas rosa e memórias
E ela apertava a rosa como se o abraçasse novamente, brevemente
E a saudade que escorria por entre espinhos e dedos era vermelha
E a rosa que ficara no vaso, desmanchava ,mais a cada dia
E, apesar do fatalismo do momento e da descrença dos dois, as almas dos amantes estavam em paz;
sabiam que outra semente de rosa viria a florescer

sábado, 31 de março de 2012

ordem

Nesta sala gélida e pálida
não há mais pessoas,
apenas os ternos que as vestem

O ar condicionado tenta, enforçadamente,
reciclar os suspiros e clamores pueris
dos incansáveis demagogos

Palavras perdem sua leveza de expressar;
deram lugar à etiqueta

E enquanto a ilustre reunião se desenrola dentro da sala
e o futuro promissor da população está em pauta,

lá fora o levante quebra janelas com pedras e bastões

quinta-feira, 29 de março de 2012

linguagem

Letras, palavras, frases, idiomas, línguas
A pretensão humana de dizer o mesmo do que já foi dito
Da maneira peculiar do legado de seus mortos, de seus povos

O sublime se faz entender sem tais símbolos.
Ele apenas é sempre o mesmo ,para qualquer um
que observa a imutabilidade das estrelas e do mar

Atrativo vício dos homens é a gramática
O que está escrito nesse poema e em tantos outros
Vê-se nos simples e francos olhos de uma criança enfática

domingo, 25 de março de 2012

O errante

Aquele homem que cruza fronteiras invisíveis e supérfluas
Passa por países cujo nomes não lhe interessam
Tenta relutantemente entender e não consegue. A guerra!
Vê pessoas e terras que mais se assemelham que diferem

(Não sabe se se perderá na vastidão dos desertos que cruza
Ou na indiferença na alma de seus eternos coterrâneos.)

quinta-feira, 22 de março de 2012

Lua

Hoje, estás nova, Lua, e tão linda e saliente
Acabastes de nascer e espreguiças seu primeiro brilho
Ainda não é mimada nem querida
Mas, calma, esperas estar cheia e verás!

Sua alvorada estonteante refletirá no lago
E será pintada em telas tão belas como tu
Não sejas vaidosa, tuas marcas não incomodam
São rugas discretas de uma senhora virtuosa

Ensinarás a todos que tu és como a vida
Vária e curta mas apaixonante por si só
E todos ,no último folego de vida,te olharão
Sonhando que a morte os levem para o céu, para perto de ti

Mares secando tentarão te alcançar
Apenas para te ver de perto,ó rainha das estrelas
E ,quando tu principiares a minguar sem dó
Ninguém será feliz até que sejas ,de novo, Lua cheia

O lixo da cidade

              "Existe algo mais.." pensava Antônio, ou melhor, repetia mentalmente essa frase todos os dias como que quisesse se convencer disso. Não era mais do que um simples catador de latinhas em uma métropole que não lhe tinha piedade. Sua humilde "profissão" era ,na verdade, bastante disputada por tantos flagelados que a periferia conseguia estocar e o mundo aguentava enxergar. Os poucos reais que lhe ofertavam pelo exaustante dia de servidão ao sistema mal lhe rendia um saco de pão para nutrir seus filhos, futuros servos.
              Caminhava pelas ruas à procura de algum descuido, alguém que tenha lhe feito o favor de não jogar aquela bendita latinha no lixo reciclável.Ahh, como odiava aqueles depósitos que roubavam dele seu ouro.
Ao fitar uma ,rapidamente,pegava-a e não tardava em continuar sua caça  maltrapilha ao tesouro
Depois de tanto catar, mal alguentava seu franzino e esquelético corpo em pé e logo guardava o que conseguira no dia .Descansava seus calejados pés , sentando na calçada e observava o movimento frénetico da população.
                  Nesse dia em especial, tomou um pouco de seu tempo e refletiu como nunca. Sabia que não iria ser mais do que era ; era certo. Não queria deixar para seus filhos esse triste legado que lhe foi herdado desde o dia que nasceu ;eles estudavam pelo menos, ele nunca. Pensava que naquele momento iria achar uma grande idéia e que tudo aquilo que pensara antes era uma ilusão; nesse momento, o barulho característico do metal de uma lata contra o solo o tirou de seu sonho. Não pensou e foi logo pegá-la. À noite, foi ao bar se embriaguar; não queria mais pensar, não queria mais sonhar.  
                     
                                                              Fim

quarta-feira, 21 de março de 2012

Pequeno poema didático

O tempo é indivisível. Dize,
Qual o sentido do calendário?
Tombam as folhas e fica a árvore,
Contra o vento incerto e vário.

A vida é indivisível. Mesmo
A que se julga mais dispersa
E pertence a um eterno diálogo
A mais inconseqüente conversa.

Todos os poemas são um mesmo poema,
Todos os porres são o mesmo porre,
Não é de uma vez que se morre…
Todas as horas são horas extremas!

segunda-feira, 19 de março de 2012

Que se faça a luz!

Escurece em torno do último ponto de luz
que emana seu último suspiro
Devagarinho, a luz se torna a única verdade
A pura e simples verdade, tão clara!

Engatinhando e tateando pelas trevas,
todos tentam encontrá-la acima de tudo
O lampejo refletido nos olhos do desespero
se transforma no refúgio desta horrível solidão

Eternidades se passam e a luz não é mais só a verdade
É a realidade em si, o Universo reduzido à um ponto
Os que temem cegar diante da ofuscante luz,
escondem-se e compartilham a dor com o restante dos renegados

Dentro do caos, alguns conseguem fitá-la
e são chamados de iluminados
 Depois que a Luz finalmente apagar, estes serão o únicos
a terem o santíssimo e imaculado isqueiro divino

quinta-feira, 15 de março de 2012

poema adocicado

De minha mãe, herdei esse enorme coração
A maldição de amar demasiado não me foi posta!
Talvez o grande problema de não saber amar em vão
Seja por ventura não conseguir achar resposta

Fito descaradamente rostos pela rua
Procurando talvez um olhar que caia de volta
Ai de mim! Feito de tanto amor, uivo à Lua
Minha ode à aquela que tarda a ir embora

À esse instante, tento não procurá-la
Que vontade tanta dela estar a pensar em mim!
Apenas uma certeza me vem quando a vejo e perco a fala
Que esse infinito acalanto, por Deus, não tem início, meio ou fim.

A extraordinária historia de um Chico

Francisco Correa de Almeida, 32 anos, estava, naquele momento, sentado no sujo banco da estação Uiracoera.
Esperava o seu ônibus que o levaria a um boteco decadente no centro onde trabalhava como garçom dia e noite . Diria ele que não fora o trabalho que sonhava quando ainda tinha  liberdade para isso mas o destino não tinha compaixão; aprendeu quando criança .Alem de seu emprego, possuia uma mulher e um belo casal de filhos; a primeira, testemunha de seu sofrimento, os ultimos, provas de um amor que nunca aflorou. Passos calculados deixavam todo dia  um rastro dissimulado  do resto da sola de seus sapatos e da solidão que lhe batia constantemente no peito enquanto retornava ao murcho seio de sua famíla no final do turno. Aqueles singelos minutos o fizeram pensar, pela primeira vez, em sua maltrapilha existencia. Rostos do passado se misturavam à sonhos desenterrados nesse sublime devaneio que lhe passou por um instante em sua cabeça, momentos antes do ônibus chegar. Lá iria Francisco, mais uma vez, cumprir sua infeliz sina. Enquanto o veículo deixava a estação, alguém diz ter visto a silhueta de um homem a correr à passos desmedidos rasgando sua última gravata borboleta. Deixava para tráz apenas um disfarçado sorriso.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Chuva

Chove desesperadamente na capital.
Por entre ladrilhos e vielas, pecados são levados pela enxurrada
e , em seguida secos, pelo misericordioso Sol
para serem repetidos neste eterno ciclo da petulância humana

Puras,
As crianças ávidas se banham e se deixam derramar
pelo tão esperado pé-d'água
Anos passam
e as crianças velhas pensam apenas em  esconder-se da chuva
,se esquecem de ,ocasionalmente, lavarem as almas.

domingo, 4 de março de 2012

sesta

Vovózinhas ao pé da calçada repousam
no vai e vem de suas cadeiras de balanço.

 Com um novelo de tricô sob os colos
e um tênue sorriso descançado entre os lábios,
teçem os rostos do passado.
   Filhos, maridos, vizinhos...

(têm o dom sublime de abraçar, calorosamente, a Saudade
e a convidar para uma xícara de café no final de tarde)

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

À Ricardo Neftalí

Ondas de amor e ódio
invadem meu coração
e o afogam

Na manhã calorosa,
de todo dia, o Sol
tenta ,em vão, secar-me
Mas de tanto não conseguir,
tenho o coração azul

domingo, 26 de fevereiro de 2012

madrugada

Jaz úmida e silenciosa a rua
Postes sozinhos soltam a luz trêmula
Como se não a quisessem nua
Nessa noite de amor e luta

O canto do galo não anuncia
O nascer do Sol , o amanhecer
Ao invés, brada a ritmia
Das longas horas, sem prever

Não é noite qualquer essa
Enquanto o bêbado e o poeta
Dançam a valsa da queda,
A escuridão perde o domínio e cessa.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

miragens

                 1
Dentro da serra esquecida
Além de onde o Sol nasce
Árvores tortas brotam
Longe uma das outras

Não fazem mais que competir
Pela atenção dos bons meninos da roça
Que, descalços, com os pés rachados
Não tardam em trepar nelas

                 11
Um velho desiludido e desconsolado
Dorme sobre o terreiro de trás
Suas rugas se tornam nos sulcos
E acidentes que a enferrugada enxada
Não conseguiu abrir

Seu cabelo crespo e grisalho
É o mato seco e esbranquiçado
Que teima em nascer e crescer.
Velho teimoso....

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O satélite amargurado

Dia qualquer dentre outros...
Sol se escondia ,já cansado
de fazer luz aonde não tinha
-É sua vez agora! disse à Lua

Por despeito, Lua não escutou
Há tempos que não lhe faziam
Juras de amor, promessas ou louvor
E de tanto desgosto, não nasceu

Artistas, amantes e crianças não se conformavam
Fizeram protestos ,tentaram acordá-la
Não tinham o que outrora os apaziguavam
De nada adiantou, Lua ,compaixão ou empatia, não sentiu

Todos choravam de luto à senhora Lua
Dias longos se intercalavam entre si
E andavam tediosos como ponteiros
Do relogio incessante, o Tempo

Cientistas, astrólogos e mães-de-santo
Não conseguiam explicar
O onírico dos sonhos não existia mais
Todos viviam a realidade, nua e cruel
Aquela dos que não sabem amar

Debilitada com o torpor
Entretanto, a vida resistiu
E fatigada sem o amor
Pensou em suicídio.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Melancolia

           Regozijo de alma vacilante
        Onde te procurávas?
  senão em rostos anônimos
que pecam por terem
sede e fome
de tudo.

                Contava os dias
         Como quem conta os segundos
   e espera pelo momento.
momento aquele que arrebatará
o peso da consciência do ser.

          Então esquecerei o resto e
    Meu espirito lépido passeará
pelo infinito que é a graça
da vida

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

A casa de Asterión

__________________________________________
                                                       E a rainha deu à luz um filho que se chamou
                                                                                                    Astérion.
                                                                                                                 APOLODORO: Biblioteca, III, I.

Sei que me acusam de soberba, e talvez de misantropia, talvez de loucura. Tais
acusações (que castigarei no devido tempo) são irrisórias. É verdade que não saio de
minha casa, mas também é verdade que suas portas (cujo número é infinito)1 estão abertas
dia e noite aos homens e também aos animais. Que entre quem quiser. Não encontrará aqui
pompas femininas, nem o bizarro aparato dos palácios, mas sim a quietude e a solidão. Por
isso mesmo, encontrará uma casa como não há outra na face da terra. (Mentem os que
declaram existir uma parecida no Egito.) Até meus detratores admitem que não há um só
móvel na casa. Outra afirmação ridícula é que eu, Astérion, sou um prisioneiro. Repetirei
que não há uma porta fechada, acrescentarei que não existe uma –, fechadura? Mesmo
porque, num entardecer, pisei a rua; se voltei antes da noite, foi pelo temor que me
infundiram os rostos da plebe, rostos descoloridos e iguais, como a mão aberta. Já se tinha
posto o sol, mas o desvalido pranto de um menino e as rudes preces da grei disseram que
me haviam reconhecido. O povo orava, fugia, se prosternava; alguns se encarapitavam no
estilóbato do templo dos Machados, outros juntavam pedras. Alguém, creio, ocultou-se no
mar. Não em vão que foi uma rainha minha mãe; não posso confundir-me com o vulgo,
ainda que minha modéstia o queira.
O fato é que sou único. Não me interessa o que um homem possa transmitir a outros
homens; como o filósofo, penso que nada é comunicável pela arte da escrita. As
enfadonhas e triviais minúcias não encontram espaço em meu espírito, que está capacitado
para o grande; jamais guardei a diferença entre uma letra e outra. Certa impaciência
generosa não consentiu que eu aprendesse a ler. Às vezes o deploro, porque as noites e os
dias são longos.
Claro que não me faltam distrações. Como o carneiro que vai investir, corro pelas
galerias de pedra até cair no chão, atordoado. Oculto-me à sombra de uma cisterna ou à
volta de um corredor e divirto-me com que me procurem. Há terraços de onde me deixo
cair, até me ensangüentar. A qualquer hora posso brincar que estou dormindo, com os
olhos fechados e a respiração forte. (Às vezes durmo realmente, às vezes já é outra a cor
do dia quando abro os olhos.) Mas, de tantas brincadeiras, a que prefiro é a de outro
Astérion. Finjo que ele vem visitar-me e que eu lhe mostro a casa. Com grandes
reverências, digo-lhe: "Agora voltamos à encruzilhada anterior" ou "Agora
desembocamos em outro pátio" ou "Bem dizia eu que te agradaria o pequeno canal" ou
"Agora verás uma cisterna que se encheu de areia" ou " lá verás como o porão se
bifurca". As vezes me engano e os dois nos rimos, amavelmente.
Não só criei esses jogos; também meditei sobre a casa. Todas as partes da casa
existem muitas vezes, qualquer lugar é outro lugar. Não há uma cisterna, um pátio, um
bebedouro, um pesebre; são catorze [são infinitos] os pesebres, bebedouros, pátios,
cisternas. A casa é do tamanho do mundo; ou melhor, é o mundo. Todavia, à força de
andar por pátios com uma cisterna e com poeirentas galerias de pedra cinzenta, alcancei a
rua e vi o templo dos Machados e o mar. Não entendi isso até que uma visão da noite me
revelou que também são catorze [são infinitos] os mares e os templos. Tudo existe muitas
vezes, catorze vezes, mas duas coisas há no mundo que parecem existir uma única vez: em
cima, o intrincado sol; embaixo, Astérion. Talvez eu tenha criado as estrelas e o sol e a
enorme casa, mas já não me lembro.
Cada nove anos, entram na casa nove homens para que eu os liberte de todo o mal.
Ouço seus passos ou sua voz no fundo das galerias de pedra e corro alegremente para
procurá-los. A cerimônia dura poucos minutos. Um após o outro, caem, sem que eu
ensangüente as mãos. Onde caíram, ficam, e os cadáveres ajudam a distinguir uma galeria
das outras. Ignoro quem sejam, mas sei que um deles profetizou, na hora da morte, que um
dia chegaria meu redentor. Desde esse momento a solidão não me magoa, porque sei que
vive meu redentor e que por fim se levantará do pó. Se meu ouvido alcançassem todos os
rumores do mundo, eu perceberia seus passos. oxalá me leve para um lugar com menos
galerias e menos portas. Como será meu redentor? – me pergunto. Será um touro ou um
homem? Será talvez um touro com cara de homem? Ou será como eu?
O sol da manhã reverberou na espada de bronze. Já não restava qualquer vestígio de
sangue.
– Acreditarás, Ariadne? – disse Teseu. – O minotauro mal se defendeu.
                                                                            A Marte Mosquera Eastman.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

terra do que já foi...

          Estás em pleno sertão
Sol a pino queima tua testa e face
enquanto gotas dessa moléstia se expelem
e se misturam as lágrimas que ainda não secam
Uma gota sobrevive ,por um infindo momento,
em teu queixo e cai...
          Há tempo que esta terra castigada
                            Não sente o gosto d'água.

       

domingo, 29 de janeiro de 2012

Sonhos de uma tarde de verão

Luz apagada, cabeça no travesseiro
Tento cerrar esses olhos
Tão cansados de ver o mundo
Este mundo preenchido de desiluções
Saudades daqueles que não amei
Saudades da terra que nunca foi minha
Agora, jaz o silencio e a escuridão

Diante do turbilhão de pensamentos
que pulam de galho em galho como micos
Acho um sossego para esta calejada alma
Sossego esse que amansaria corações
De quem lhes disseram que nunca tiveram um

A face madura e suave
Sorriso aquele que parece mover
todos os músculos certos
Qualquer ruga não será em vão!

 Está quente
A cidade que não pára exala
o calor de seus habitantes
Mas nada disso se assemelha
Ao calor de sua pele
Pele bronzeada que me esquenta
Pele tépida que me afagou....

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Banda e álbum que revolucionaram a música brasileira com mélodias e letras críticas e  um tanto quanto provincianas .Apresentando uma "mescla" de elementos de percussão e sonoridade de Recife e do povo nordestino regidos por rock e outros estilos "importados" como o ska ,eletrônico e rap pelo próprio Chico Science. Fundadores do movimento manguebeat juntamente com  banda coterrânea Mundo Livre SA de Fred Zero 4 estream com o ilustre "Da Lama Ao Caos" . Uma verdaderia antropofagia musical!



Monólogo ao pé do ouvido

Modernizar o passado
É uma evolução musical
Cadê as notas que estavam aqui
Não preciso delas!
Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos
O medo dá origem ao mal
O homem coletivo sente a necessidade de lutar
o orgulho, a arrogância, a glória
Enche a imaginação de domínio
São demônios, os que destroem o poder bravio da humanidade
Viva Zapata!
Viva Sandino!
Viva Zumbi!
Antônio Conselheiro!
Todos os panteras negras
Lampião, sua imagem e semelhança
Eu tenho certeza, eles também cantaram um dia.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Assistam com atenção!!!

THE INVOCATION (A imagem de Deus)
100 min - documentário
Diretor: Emmanuel Itier
Wonderland Entertainment, 2010 
Elenco: narrado por Sharon Stone com Deepak Chopra, Desmond Tutu, o Dalai Lama, Oliver Stone, Karen Armstrong, Michael Beckwith, Mark Walhberg, Rosario Dawson, Stewart Copeland, Ervin Laszlo, Dean Radin e muitos outros líderes espirituais e pesquisadores
Recomendo esse filme a todos que buscam uma razão ou significado maior à essa mera existência mundana. É uma exploração da ideia de Deus e uma chamada para a harmonia global através do diálogo entre religião, espiritualidade e ciência. É um convite para elevar o nível de pensamento e revisar o as nossas percepções de Deus.Parafraseando o grande pensador Maomé :"Ao encontrarmos nós mesmos, encontramos Deus e todo o resto". A verdade do universo está em cada um de nós!

O delírio ( Mémorias Póstumas de Brás Cubas)

     Que me conste, ainda ninguém relatou o seu próprio delírio; faço-o eu, e a ciência mo agradecerá. Se
o leitor não é dado à contemplação destes fenômenos mentais, pode saltar o capítulo; vá direito à
narração. Mas, por menos curioso que seja, sempre lhe digo que é interessante saber o que se passou na
minha cabeça durante uns vinte a trinta minutos.
     Primeiramente, tomei a figura de um barbeiro chinês, bojudo, destro, escanhoando um mandarim,
que me pagava o trabalho com beliscões e confeitos: caprichos de mandarim.
     Logo depois, senti-me transformado na Suma Teologica de São Tomás, impressa num volume, e
encadernada em marroquim, com fechos de prata e estampas; idéia esta que me deu ao corpo a mais
completa imobilidade; e ainda agora me lembra que, sendo as minhas mãos os fechos do livro, e cruzandoas eu sobre o ventre, alguém as descruzava (Virgília decerto), porque a atitude lhe dava a imagem de
um defunto.
     Ultimamente, restituído à forma humana, vi chegar um hipopótamo, que me arrebatou. Deixei-me
ir, calado, não sei se por medo ou confiança; mas, dentro em pouco, a carreira de tal modo se tornou
vertiginosa, que me atrevi a interrogá-lo, e com alguma arte lhe disse que a viagem me parecia sem
destino.
— Engana-se, replicou o animal, nós vamos à origem dos séculos.
     Insinuei que deveria ser muitíssimo longe; mas o hipopótamo não me entendeu ou não me ouviu, se
é que não fingiu uma dessas coisas; e, perguntando-lhe, visto que ele falava, se era descendente do
cavalo de Aquiles ou da asna de Balaão, retorquiu-me com um gesto peculiar a estes dois quadrúpedes:
abanou as orelhas. Pela minha parte fechei os olhos e deixei-me ir à ventura. Já agora não se me dá de
confessar que sentia umas tais ou quais cócegas de curiosidade, por saber onde ficava a origem dos
séculos, se era tão misteriosa como a origem do Nilo, e sobretudo se valia alguma coisa mais ou menos
do que a consumação dos mesmos séculos: reflexões de cérebro enfermo. Como ia de olhos fechados,
não via o caminho; lembra-me só que a sensação de frio aumentava com a jornada, e que  chegou umaocasião em que me pareceu entrar na região dos gelos eternos. Com efeito, abri os olhos e vi que o meu
animal galopava numa planície branca de neve, com uma ou outra montanha de neve, vegetação de
neve, e vários animais grandes e de neve. Tudo neve; chegava a gelar-nos um sol de neve. Tentei falar,
mas apenas pude grunhir esta pergunta ansiosa:
— Onde estamos?
— Já passamos o Éden.
— Bem; paremos na tenda de Abraão.
— Mas se nós caminhamos para trás! redargüiu motejando a minha cavalgadura.
     Fiquei vexado e aturdido. A jornada entrou a parecer-me enfadonha e extravagante, o frio incômodo, a condução violenta,
e o resultado impalpável. E depois — cogitações de enfermo — dado que chegássemos ao fim indicado, não era impossível
que os séculos, irritados com lhes devassarem a origem, me esmagassem entre as unhas que deviam ser tão seculares como
eles. Enquanto assim pensava, íamos devorando caminho, e a planície voava debaixo dos nossos pés, até que o animal
estacou, e pude olhar mais tranqüilamente em torno de mim. Olhar somente; nada vi, além da imensa brancura da neve, que
desta vez invadira o próprio céu, até ali azul. Talvez, a espaços, me aparecia uma ou outra planta, enorme, brutesca, meneando
ao vento as suas largas folhas. O silêncio daquela região era igual ao do sepulcro: dissera-se que a vida das coisas ficara
estúpida diante do homem.
     Caiu do ar? destacou-se da terra? não sei; sei que um vulto imenso, uma figura de mulher me
apareceu então, fitando-me uns olhos rutilantes como o sol. Tudo nessa figura tinha a vastidão das
formas selváticas, e tudo escapava à compreensão do olhar humano, porque os contornos perdiam-se
no ambiente, e o que parecia espesso era muita vez diáfano. Estupefato, não disse nada, não cheguei
sequer a soltar um grito; mas, ao cabo de algum tempo, que foi breve, perguntei quem era e como se
chamava: curiosidade de delírio.
—Chama-me Natureza ou Pandora; sou tua mãe e tua inimiga.
     Ao ouvir esta última palavra, recuei um pouco, tomado de susto. A figura soltou uma  gargalhada,
que produziu em torno de nós o efeito de um tufão; as plantas torceram-se e um longo gemido quebrou
a mudez das coisas externas.
Não te assustes, disse ela, minha inimizade não mata; é sobretudo pela vida que se afirma. Vives: não quero outro flagelo.
     — Vivo? perguntei eu, enterrando as unhas nas mãos, como para certificar
me da existência.
     — Sim, verme, tu vives. Não receies perder esse andrajo que é teu orgulho; provarás ainda, por
algumas horas, o pão da dor e o vinho da miséria. Vives: agora mesmo que ensandeceste, vives; e se a
tua consciência reouver um instante de sagacidade, tu dirás que queres viver.
     Dizendo isto, a visão estendeu o braço, segurou-me pelos cabelos e levantou-me ao ar, como se fora
uma pluma. Só então, pude ver-lhe de perto o rosto, que era enorme. Nada mais quieto; nenhuma
contorção violenta, nenhuma expressão de ódio ou ferocidade; a feição única, geral, completa, era a da
impassibilidade egoísta, a da eterna surdez, a da vontade imóvel. Raivas, se as tinha, ficavam encerradas
no coração. Ao mesmo tempo, nesse rosto de expressão glacial, havia um ar de juventude, mescla de
força e viço, diante do qual me sentia eu o mais débil e decrépito dos seres.
— Entendeste-me? disse ela, no fim de algum tempo de mútua contemplação.
— Não, respondi; nem quero entender-te; tu és absurda, tu és uma fábula. Estou sonhando, decerto, ou, se é verdade que
enlouqueci, tu não passas de uma concepção de alienado, isto é, uma coisa vã, que a razão ausente não pode reger nem
palpar. Natureza, tu? a Natureza que eu conheço é só mãe e não inimiga; não faz da vida um flagelo, nem, como tu, traz esse
rosto indiferente, como o sepulcro  E por que Pandora?
— Porque levo na minha bolsa os bens e os males, e o maior de todos, a esperança, consolação dos homens. Tremes?
— Sim; o teu olhar fascina-me.
— Creio; eu não sou somente a vida; sou também a morte, e tu estás prestes a devolver
me o que te emprestei. Grande lascivo, espera-te a voluptuosidade do nada.
Quando esta palavra ecoou, como um trovão, naquele imenso vale, afigurou-me que era o último som que chegava a
meus ouvidos; pareceu-me sentir a decomposição súbita do mim mesmo. Então, encarei-a com olhos súplices, e pedi mais
alguns anos.     — Pobre minuto! exclamou. Para que queres tu mais alguns instantes de vida? Para devorar e seres
devorado depois? Não estás farto do espetáculo e da luta? Conheces de sobejo tudo o que eu te deparei
menos torpe ou menos aflitivo: o alvor do dia, a melancolia da tarde, a quietação da noite, os aspectos
da terra, o sono, enfim, o maior benefício das minhas mãos. Que mais queres tu, sublime idiota?
     — Viver somente, não te peço mais nada. Quem me pôs no coração este amor da vida, se não tu? e,
se eu amo a vida, por que te hás de golpear a ti mesma, matando-me?
     — Porque já não preciso de ti. Não importa ao tempo o minuto que passa, mas o minuto que vem. O
minuto que vem é forte, jocundo, supõe trazer em si a eternidade, e traz a morte, e perece como o outro,
mas o tempo subsiste. Egoísmo, dizes tu? Sim, egoísmo, não tenho outra lei. Egoísmo, conservação. A
onça mata o novilho porque o raciocínio da onça é que ela deve viver, e se o novilho é tenro tanto
melhor: eis o estatuto universal. Sobe e olha.
     Isto dizendo, arrebatou-me ao alto de uma montanha. Inclinei os olhos a uma das vertentes, e
contemplei, durante um tempo largo, ao longe, através de um nevoeiro, uma coisa única. Imagina tu,
leitor, uma redução dos séculos, e um desfilar de todos eles, as raças todas, todas as paixões, o tumulto
dos impérios, a guerra dos apetites e dos ódios, a destruição recíproca dos seres e das coisas. Tal era o
espetáculo, acerbo e curioso espetáculo. A história do homem e da terra tinha assim uma intensidade
que lhe não podiam dar nem a imaginação nem a ciência, porque a ciência é mais lenta e a imaginação
mais vaga, enquanto que o que eu ali via era a condensação viva de todos os tempos. Para descrevê-la
seria preciso fixar o relâmpago. Os séculos desfilavam num turbilhão, e, não obstante, porque os olhos
do delírio são outros, eu via tudo o que passava diante de mim, — flagelos e delícias, — desde essa
coisa que se chama glória até essa outra que se chama miséria, e via o amor multiplicando a miséria, e
via a miséria agravando a debilidade. Aí vinham a cobiça que devora, a cólera que inflama, a inveja que
baba, e a enxada e a pena, úmidas de suor, e a ambição, a fome, a vaidade, a melancolia, a riqueza, o
amor, e todos agitavam o homem, como um chocalho, até destruí-lo, como um farrapo. Eram as formas
várias de um mal, que ora mordia a víscera, ora mordia o pensamento, e passeava eternamente as suas
vestes de arlequim, em derredor da espécie humana. A dor cedia alguma vez, mas cedia à indiferença,
que era um sono sem sonhos, ou ao prazer, que era uma dor bastarda. Então o homem, flagelado e
rebelde, corria diante da fatalidade das coisas, atrás de uma figura nebulosa e esquiva, feita de retalhos,
um retalho de impalpável, outro de improvável, outro de invisível, cosidos todos a ponto precário, com
a agulha da imaginação; e essa figura, — nada menos que a quimera da felicidade, — ou lhe fugia
perpetuamente, ou deixava-se apanhar pela fralda, e o homem a cingia ao peito, e então ela ria, como
um escárnio, e sumia-se, como uma ilusão.
Ao contemplar tanta calamidade, não pude reter um grito de angústia, que Natureza ou Pandora escutou sem protestar
nem rir; e não sei por que lei de transtorno cerebral, fui eu  que me pus a rir, — de um riso descompassado e idiota.
— Tens razão, disse eu, a coisa é divertida e vale a pena, — talvez monótona — mas vale a pena. Quando Job amaldiçoava
o dia em que fora concebido, é porque lhe davam ganas de ver cá de cima o espetáculo. Vamos lá, Pandora, abre o ventre, e
digere
me; a coisa é divertida, mas digere-me.
     A resposta foi compelir-me fortemente a olhar para baixo, e a ver os séculos que continuavam a
passar, velozes e turbulentos, as gerações que se superpunham às gerações, umas tristes, como os
Hebreus do cativeiro, outras alegres, como os devassos de Cômodo, e todas elas pontuais na sepultura.
Quis fugir, mas uma força misteriosa me retinha os pés; então disse comigo: — “Bem, os séculos vão
passando, chegará o meu, e passará também, até o último, que me dará a decifração da eternidade.” E
fixei os olhos, e continuei a ver as idades, que vinham chegando e passando, já então tranqüilo e
resoluto, não sei até se alegre. Talvez alegre. Cada século trazia a sua porção de sombra e de luz, de
apatia e de combate, de verdade e de erro, e o seu cortejo de sistemas, de idéias novas, de novas ilusões;
em cada um deles rebentavam as verduras de uma primavera, e amareleciam depois, para remoçar maistarde. Ao passo que a vida tinha assim uma regularidade de calendário, fazia-se a história e a civilização,
e o homem, nu e desarmado, armava-se e vestia-se, construía o tugúrio e o palácio, a rude aldeia e
Tebas de cem portas, criava a ciência, que perscruta, e a arte que enleva, fazia-se orador, mecânico,
filósofo, corria a face do globo, descia ao ventre da terra, subia à esfera das nuvens, colaborando assim
na obra misteriosa, com que entretinha a necessidade da vida e a melancolia do desamparo. Meu olhar,
enfarado e distraído, viu enfim chegar o século presente, e atrás dele os futuros. Aquele vinha ágil,
destro, vibrante, cheio de si, um pouco difuso, audaz, sabedor, mas ao cabo tão miserável como os
primeiros, e assim passou e assim passaram os outros, com a mesma rapidez e igual monotonia. Redobrei
de atenção; fitei a vista; ia enfim ver o último, — o último!; mas então já a rapidez da marcha era tal,
que escapava a toda a compreensão; ao pé dela o relâmpago seria um século. Talvez por isso entraram
os objetos a trocarem-se; uns cresceram, outros minguaram, outros perderam-se no ambiente; um nevoeiro
cobriu tudo, — menos o hipopótamo que ali me trouxera, e que aliás começou a diminuir, a diminuir, a
diminuir, até ficar do tamanho de um gato. Era efetivamente um gato. Encarei-o bem; era o meu gato
Sultão, que brincava à porta da alcova, com uma bola de papel...

Nova Poética


Vou lançar a teoria do poeta sórdido.
Poeta sórdido:
Aquele em cuja poesia há a marca suja da vida.
Vai um sujeito,
Saí um sujeito de casa com a roupa de brim branco 
          [ muito bem engomada, e na primeira esquina 
                 [ passa um caminhão, salpica-lhe o paletó 
                              [ou a calça de uma nódoa de lama: 
É a vida
O poema deve ser como a nódoa no brim:
Fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero.
Sei que a poesia é também orvalho.
Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas, as 
                                [virgens cem por cento e as amadas 
                                      [que envelheceram sem maldade.

Satélite

Fim de tarde.
No céu plúmbeo
A lua baça
Paira.
Muito cosmograficamente
Satélite.

Desmetaforizada,
Desmitificada,
Despojada do velho segredo de melancolia,
Não é agora o golfão de cismas,
O astro dos loucos e enamorados,
Mas tão somente
Satélite.

Ah! Lua deste fim de tarde,
Desmissionária de atribuições românticas;
Sem show para as disponibilidades sentimentais!

Fatigado de mais-valia,
Gosto de ti, assim:
Coisa em si,
-Satélite.

Amar

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor à procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa, amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.


Poema de Sete Faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.




A Dança


Não te amo como se fosses a rosa de sal, topázio
Ou flechas de cravos que propagam o fogo:
Te amo como se amam certas coisas obscuras,
Secretamente, entre a sombra e a alma.
Te amo como a planta que não floresce e leva
Dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
E graças a teu amor vive escuro em meu corpo
O apertado aroma que ascendeu da terra.
Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
Te amo assim diretamente sem problemas nem orgulho:
Assim te amo porque não sei amar de outra maneira,
Senão assim deste modo que não sou nem és,
Tão perto que tua mão sobre o meu peito é minha,
Tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.
Antes de amar-te, amor, nada era meu:
Vacilei pelas ruas e as coisas:
Nada contava nem tinha nome:
O mundo era do ar que esperava.
E conheci salões cinzentos,
Túneis habitados pela lua,
Hangares cruéis que se dependiam,
Perguntas que insistiam na areia.
Tudo estava vazio, morto e mudo,
Caído, abandonado, decaído,
Tudo era inalianavelmente alheio,
Tudo era dos outros e de ninguém,
Até que tua beleza e tua pobreza
De dádivas encheram o outono.
Outro
"De tanto andar uma região
que não figurava nos livros
acostumei-me às terras tenazes
em que ninguém me perguntava
se me agradavam as alfaces
ou se preferia a menta
que devoram os elefantes.
E de tanto não responder
tenho o coração amarelo"
blog dedicado ao apreciadores de poesia e outras coisas!