quarta-feira, 11 de abril de 2012

relato de um bandeirante

Por entre enormes ipês e teias de cipo, avistei, de relance, aquele vulto.Admiti que era uma espécie de bicho por estar, obviamente, em plena mata virgem. Nenhum cristão havia se posto a caminhar por esta floresta; muitos desistiram pelos atrozes boatos de criaturas perversas e barbáries encontradas apenas no Novo Mundo. Não tardei de limpar o suor - aquele calor infernal - e carregar a escopeta. Mandei os poucos mas bravos homens que consentiram em acompanhar-me a fazerem o mesmo. Sentia que algo estava a aproximar-se. Minutos se desenrolaram ; uma pequena eternidade para nossos fatigados corpos. Estavamos a duas luas cheias no mato e não encontravamos os crioulos que o senhor mandara recuperar. Pelo seu tom ríspido e urgente, notei que a recompensa por aquelas cabeças seria um tanto generosa. Tem sido assim na Colônia nos últimos meses; a nau que encarregara de abastecer esses senhores "naufragou" misteriosamente. Algo se moveu... O vulto retornou mas agora se despia da sombra. Acertara quanto ao que era; um índio, bicho mais astuto da mata. O sol mostrava sua pele marrom, traços finos e corpo semi-nu e liso. Estava pintado de vermelho no rosto e amarelo em outras partes do corpo; estas formando símbolos que jamais decifraria. Provavelmente, estava a par de algum ritual pagão de caça. Naquele momento perseguia um porco-do-mato mas, assim que sentiu nossa presença, escondeu-se de novo naquele labirinto infinito que eram aquelas plantas.Mil e uma coisas detestáveis podia falar a respeito daquela criatura mas admitia uma qualidade apenas: era a única espécie que sabia desvendar as inúmeras sutilezas e nuances daquele labirinto. Ouvi um tiro. Onde estava aquele bandeirante que conversara outro dia; estava ao meu lado? Mais dois tiros... Meus gritos por alguém agora confundem-se com os de desespero de outros homens. Não sei por onde o alvorolo começa ou termina; estamos sendo acertados por todos os lados. Como lutarei com um fantasma ?!?! No momento, consegui mover alguns músculos inúteis por instinto; nenhum deles impediu daquela infeliz flecha me acertar o coração. Caí ,de súbito, no chão. O sangue ,que afinal de contas não era azul, derrama e mancha as vestes. Não tenho forças pra quebrar a flecha; não importa mais. Sei que agora sou o único sobrevivente da bandeira.Escuto o leve barulho de pés descalços que se aproximam. Aproveito os momentos antes daquela deplorável e iminente morte e finalmente descanço. Contra a luz do sol trópical, encaro o mesmo vulto que reparei momentos atrás. Ele estica a ponta da flecha em direção à minha cabeça e grita algumas palavras de sua língua. Mal termina e ,como quem abate uma caça, faz a ponta de madeira atravessar minha testa . Um a um, os índios foram embora. Não enterravam os inimigos; deixavam que a Mãe Terra se encarregasse disso.Neste momento, jaz meu cadáver ainda quente no chão úmido da floresta. Não fazia diferença para ela; era apenas mais um animal morto. Reflito agora que tenho tempo. No fim , parece que aqueles negros vão conseguir escapar dessa vez; não há mais tempo do coronel contratar bandeiras antes que eles cheguem ao quilombo. Penso também que teria sido mais perspicaz da minha parte ser um caçador de índios. Talvez ainda estivesse vivo. Maldição! Morto tão facilmente por aquela besta sem alma, pela própria presa

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