segunda-feira, 30 de abril de 2012

Não se conheçe
o verdadeiro valor
da ingenuidade

Tanto é o pífio
defeito de um brasileiro
como uma doce desculpa
para a impunidade

(Quem sabe se aquela velhina
ao volante do automóvel
a disparar o alarme
é uma simples leiga
a assuntos eletrônicos
ou uma indiscreta ladra
de carros?)

sábado, 28 de abril de 2012

Alguns sonetos têm
o indistiguível dom
de brotarem do chão
casuais e belos
Outros precisam
que sejam arrancados
e desenterrados do solo
para depois serem limpos
e lidos

A perspicaz ideia
da invenção da mentira
surgiu do pobre coitado
cujas ovelhas perdera
na feira (ou não)
Mal sabia ele
que acabava de criar
a primeira arma de alienação em massa

quarta-feira, 25 de abril de 2012

o menino inglês

Repousava sossegado na cama ao pé da janela; pensava em que iria fazer pro jantar ou olhava se a mercearia do fim da esquina já abrira. Era garçom de um café antigo na pacata Durham, onde as pequenas casas de subúrbio se entrecruzavam e compunham a paisagem. A tranquila cidade em que morava desde que saí da métropole. Recordava que acabara o terceiro grau quando percebi que nunca havia pisado em solo  fora daquele redemoinho de pessoas e edificios; estava sufocado e aprisionado em meu próprio berço. Meu universo, incrivelmente, existia em apenas alguns quarteirões em que passei a vida rotineira que meu pai viveu e o pai dele também. No mesmo dia dessa recordação, peguei o bendito ônibus que conduziria o resto de minha vida e logo chegando, tratei de arrumar um quarto decente, pequeno o bastante para me comportar, grande o bastante para aguentar minha fome pelo mundo, minha única razão e propósito. À tarde, perambulava pela cidade atordoado pelo o diferente, o novo e o simples. Conversava com pessoas anônimas; não resistia em ouvir suas vozes que soavam para mim em outra língua e cantavam as belezas desse novo mundo. Entrando em um velho prédio, acenei para o atendente. Um grande e alto escocês de longa barba cinza e ombros largos veio ao meu encontro. Seu sotaque lhe diferenciava dos demais; era um tanto excluído por causa dele. Notava-se agora a quietude e a doce solidão que aquele lugar emanava. Roguei a ele algum simples ofício que pagasse as contas e sossegasse minha alma. Ele ,com um vago sorriso, apenas disse-me que estava no lugar certo e , minutos depois, fazia parte de lá como o velho escocês. O sabor daquela pequena conquista ainda percorre na minha boca com o mesmo júbilo daquele singular dia, meu primeiro. Naquela noite, sonhei que era uma criança nua em meio à savana.No quieto entardecer da natureza, sentei e encarei o leão a minha frente; o animal , em seguida, fez o mesmo. A noite trouxe a grande chuva à savana mas o tempo e espaço pareciam ser simples coadjuvantes de nós. Vi nos ternos olhos do leão a minha imagem refletida envelhecendo. Não tardei em perceber que eu era o leão e o que vira era o futuro em meus olhos. Olhei para cima e um pingo d'água foi o bastante para acordar-me.
Tenho que ligar pro vizinho do andar de cima; seu varal goteja em minha janela todas as tardes em que fecho os olhos

domingo, 22 de abril de 2012

Por lá

Lá os estreitos corredores das habitações se desdobram feios e infinitos
Lá o bueiro recebe fartamente o lamaçal e o esgoto do submundo

Lá se formam futuros borracheiros, porteiros, garçons
Lá as crianças brincam de cheirar pó e de "policia e ladrão"

Lá o tempo anda depressa; anda com medo
Lá a vida é curta e , as vezes, não mais tem razão; vive-se por ter nascido

quinta-feira, 19 de abril de 2012

O homem e o rinoceronte

O cólerico e imponente rinoceronte emite seus grunhidos animalescos; está prontamente posicionado ao ataque.O franzino e petrificado homem estende-se à cerca de dez metros da fera. Não fazia ideia do que estava fazendo ali, naquele momento, naquele lugar; não recordava. Incrivelmente o instante de choque em que se encontrava não o dava espaço na mente para mais nada a não ser mentalizar o rinoceronte à sua frente. Mesmo se recordasse, não ia fazer diferença e, possivelmente, tais segundos de esclarecimento lhe custariam uma vida. Enquanto o duelo mexicano prolonga-se, o homem parece ouvir gritos e ver certos borrões fora de foco ao redor do rinoceronte; concordou que aquilo era uma mera ilusão ,já que sua realidade estava ,obviamente, reduzida ao brilho por sangue no olhar fulminante que o encarava. Tenta não acreditar que o rinoceronte estava associado à sua morte; não queria morrer tão dolorosamente em uma tragédia certa. Tratou de rejeitar este pensamento negativo; deixou-se levar pelos seus instintos de sobrevivencia herdados da época em que o rinoceronte e o homem não se diferiam tanto como hoje. De súbito, podia se ver dois animais em iminente confronto. O menor parecia mais fraco e qualquer expectador alheio à sagacidade humana poderia apostar sua fortuna no maior, contudo, o pálido hominídio tinha uma coisa à seu favor: o raciocinio de jogar areia nos olhos do adversário. E foi exatamente o que ele fez! O rinoceronte desorientado dá alguns passos sem ver: o tempo necessário para o homem fugir e esconder-se. Recobrou a lucidez e agradeceu à mais eficaz arma de combate: a malícia. Viva a raça humana!

diagnóstico

Padecer de amor não é infortúnio ou desventura
como dizem os especialistas e os livros de auto-ajuda
Confirmar a misteriosa existência num  momento de paixão
é viver eternamente nas entrelinhas da história da humanidade

(Um suícida não é mais que um avulso e bem-intencionado
historiador)

quarta-feira, 18 de abril de 2012

existir

A arte que tanto apetece
não é toda feita pelo artista
A tela que tu vês também pede
teus dois olhos para ter vida

segunda-feira, 16 de abril de 2012

sonhos... acordar?

Naquele sonho, as almas incessantes vagueavam
nas calçadas de todas as cômodas cidades.
Clamavam por ouvidos que as escutassem;
brandiam as infinitas verdades do outro plano

 Eram solitárias e por terem há pouco falecido
não tiveram tempo de esquecer os que viviam
Errantes, teimavam que alguém acordasse
e confessasse as palavras divinas para o bem da humanidade

Aquelas mais velhas, desistiam e emergiam-se na eternidade dos cosmos
Há séculos que eram ignoradas e ,enfim, desiludidas, simplesmente, paravam de tentar
Entendiam que os mortais não tinham amadurecido o bastante
E que apenas a morte traria consigo a sabedoria dos anjos

Infelizmente, por mais sábias que eram, as almas esqueciam do detalhe
de que quando o amanhecer urdia acordar os vivos
Aqueles que recordavam deste sonho
punham-se a esquecê-lo de imediato

(Parece que de acordo com o paradigma social do século 21,
as pessoas que falavam demasiado de seus sonhos
Eram logo indentificados como loucos e excluídos
 para a segurança e bem da sociedade)

quinta-feira, 12 de abril de 2012

sede

O vinho tinto e suave derramado
no carpete da sala
do burocrata bem pago

É da mesma cor do sangue
despejado pela bala que fura
a criança esquelética e termina seu fardo

E o pormenor que faz-se esquecer,
diariamente,
é que aquele tem gosto doce
e, este, amargo!

quarta-feira, 11 de abril de 2012

relato de um bandeirante

Por entre enormes ipês e teias de cipo, avistei, de relance, aquele vulto.Admiti que era uma espécie de bicho por estar, obviamente, em plena mata virgem. Nenhum cristão havia se posto a caminhar por esta floresta; muitos desistiram pelos atrozes boatos de criaturas perversas e barbáries encontradas apenas no Novo Mundo. Não tardei de limpar o suor - aquele calor infernal - e carregar a escopeta. Mandei os poucos mas bravos homens que consentiram em acompanhar-me a fazerem o mesmo. Sentia que algo estava a aproximar-se. Minutos se desenrolaram ; uma pequena eternidade para nossos fatigados corpos. Estavamos a duas luas cheias no mato e não encontravamos os crioulos que o senhor mandara recuperar. Pelo seu tom ríspido e urgente, notei que a recompensa por aquelas cabeças seria um tanto generosa. Tem sido assim na Colônia nos últimos meses; a nau que encarregara de abastecer esses senhores "naufragou" misteriosamente. Algo se moveu... O vulto retornou mas agora se despia da sombra. Acertara quanto ao que era; um índio, bicho mais astuto da mata. O sol mostrava sua pele marrom, traços finos e corpo semi-nu e liso. Estava pintado de vermelho no rosto e amarelo em outras partes do corpo; estas formando símbolos que jamais decifraria. Provavelmente, estava a par de algum ritual pagão de caça. Naquele momento perseguia um porco-do-mato mas, assim que sentiu nossa presença, escondeu-se de novo naquele labirinto infinito que eram aquelas plantas.Mil e uma coisas detestáveis podia falar a respeito daquela criatura mas admitia uma qualidade apenas: era a única espécie que sabia desvendar as inúmeras sutilezas e nuances daquele labirinto. Ouvi um tiro. Onde estava aquele bandeirante que conversara outro dia; estava ao meu lado? Mais dois tiros... Meus gritos por alguém agora confundem-se com os de desespero de outros homens. Não sei por onde o alvorolo começa ou termina; estamos sendo acertados por todos os lados. Como lutarei com um fantasma ?!?! No momento, consegui mover alguns músculos inúteis por instinto; nenhum deles impediu daquela infeliz flecha me acertar o coração. Caí ,de súbito, no chão. O sangue ,que afinal de contas não era azul, derrama e mancha as vestes. Não tenho forças pra quebrar a flecha; não importa mais. Sei que agora sou o único sobrevivente da bandeira.Escuto o leve barulho de pés descalços que se aproximam. Aproveito os momentos antes daquela deplorável e iminente morte e finalmente descanço. Contra a luz do sol trópical, encaro o mesmo vulto que reparei momentos atrás. Ele estica a ponta da flecha em direção à minha cabeça e grita algumas palavras de sua língua. Mal termina e ,como quem abate uma caça, faz a ponta de madeira atravessar minha testa . Um a um, os índios foram embora. Não enterravam os inimigos; deixavam que a Mãe Terra se encarregasse disso.Neste momento, jaz meu cadáver ainda quente no chão úmido da floresta. Não fazia diferença para ela; era apenas mais um animal morto. Reflito agora que tenho tempo. No fim , parece que aqueles negros vão conseguir escapar dessa vez; não há mais tempo do coronel contratar bandeiras antes que eles cheguem ao quilombo. Penso também que teria sido mais perspicaz da minha parte ser um caçador de índios. Talvez ainda estivesse vivo. Maldição! Morto tão facilmente por aquela besta sem alma, pela própria presa

segunda-feira, 9 de abril de 2012

murmuros do vento

Arranco esses versos infâmes em sacrifício à ti, espirito incessante
Por noites sem fim premeditei; almejava achar ao menos o que procurava
Foste minha musa, a verdadeira e, alias, única expressão dessa ingênua inconsequência
Finalmente, rogo à ti que tardes a ir embora e , quando fores, deixes, por obséquio, um pedaço de mim.

domingo, 8 de abril de 2012

adeuses

E, ao meio-dia, estavam os dois ao pé da rodoviária no fugaz e eloquente instante do último encontro
E ele a dava uma rosa; gracejo simples, antes símbolo de amor do que de paixão leviana
E o grito do motorista interrompia aquele terno e volátil beijo de despedida
E ela o via entrando no ônibus deixando apenas rosa e memórias
E ela apertava a rosa como se o abraçasse novamente, brevemente
E a saudade que escorria por entre espinhos e dedos era vermelha
E a rosa que ficara no vaso, desmanchava ,mais a cada dia
E, apesar do fatalismo do momento e da descrença dos dois, as almas dos amantes estavam em paz;
sabiam que outra semente de rosa viria a florescer