quarta-feira, 25 de abril de 2012

o menino inglês

Repousava sossegado na cama ao pé da janela; pensava em que iria fazer pro jantar ou olhava se a mercearia do fim da esquina já abrira. Era garçom de um café antigo na pacata Durham, onde as pequenas casas de subúrbio se entrecruzavam e compunham a paisagem. A tranquila cidade em que morava desde que saí da métropole. Recordava que acabara o terceiro grau quando percebi que nunca havia pisado em solo  fora daquele redemoinho de pessoas e edificios; estava sufocado e aprisionado em meu próprio berço. Meu universo, incrivelmente, existia em apenas alguns quarteirões em que passei a vida rotineira que meu pai viveu e o pai dele também. No mesmo dia dessa recordação, peguei o bendito ônibus que conduziria o resto de minha vida e logo chegando, tratei de arrumar um quarto decente, pequeno o bastante para me comportar, grande o bastante para aguentar minha fome pelo mundo, minha única razão e propósito. À tarde, perambulava pela cidade atordoado pelo o diferente, o novo e o simples. Conversava com pessoas anônimas; não resistia em ouvir suas vozes que soavam para mim em outra língua e cantavam as belezas desse novo mundo. Entrando em um velho prédio, acenei para o atendente. Um grande e alto escocês de longa barba cinza e ombros largos veio ao meu encontro. Seu sotaque lhe diferenciava dos demais; era um tanto excluído por causa dele. Notava-se agora a quietude e a doce solidão que aquele lugar emanava. Roguei a ele algum simples ofício que pagasse as contas e sossegasse minha alma. Ele ,com um vago sorriso, apenas disse-me que estava no lugar certo e , minutos depois, fazia parte de lá como o velho escocês. O sabor daquela pequena conquista ainda percorre na minha boca com o mesmo júbilo daquele singular dia, meu primeiro. Naquela noite, sonhei que era uma criança nua em meio à savana.No quieto entardecer da natureza, sentei e encarei o leão a minha frente; o animal , em seguida, fez o mesmo. A noite trouxe a grande chuva à savana mas o tempo e espaço pareciam ser simples coadjuvantes de nós. Vi nos ternos olhos do leão a minha imagem refletida envelhecendo. Não tardei em perceber que eu era o leão e o que vira era o futuro em meus olhos. Olhei para cima e um pingo d'água foi o bastante para acordar-me.
Tenho que ligar pro vizinho do andar de cima; seu varal goteja em minha janela todas as tardes em que fecho os olhos

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