sábado, 31 de março de 2012

ordem

Nesta sala gélida e pálida
não há mais pessoas,
apenas os ternos que as vestem

O ar condicionado tenta, enforçadamente,
reciclar os suspiros e clamores pueris
dos incansáveis demagogos

Palavras perdem sua leveza de expressar;
deram lugar à etiqueta

E enquanto a ilustre reunião se desenrola dentro da sala
e o futuro promissor da população está em pauta,

lá fora o levante quebra janelas com pedras e bastões

quinta-feira, 29 de março de 2012

linguagem

Letras, palavras, frases, idiomas, línguas
A pretensão humana de dizer o mesmo do que já foi dito
Da maneira peculiar do legado de seus mortos, de seus povos

O sublime se faz entender sem tais símbolos.
Ele apenas é sempre o mesmo ,para qualquer um
que observa a imutabilidade das estrelas e do mar

Atrativo vício dos homens é a gramática
O que está escrito nesse poema e em tantos outros
Vê-se nos simples e francos olhos de uma criança enfática

domingo, 25 de março de 2012

O errante

Aquele homem que cruza fronteiras invisíveis e supérfluas
Passa por países cujo nomes não lhe interessam
Tenta relutantemente entender e não consegue. A guerra!
Vê pessoas e terras que mais se assemelham que diferem

(Não sabe se se perderá na vastidão dos desertos que cruza
Ou na indiferença na alma de seus eternos coterrâneos.)

quinta-feira, 22 de março de 2012

Lua

Hoje, estás nova, Lua, e tão linda e saliente
Acabastes de nascer e espreguiças seu primeiro brilho
Ainda não é mimada nem querida
Mas, calma, esperas estar cheia e verás!

Sua alvorada estonteante refletirá no lago
E será pintada em telas tão belas como tu
Não sejas vaidosa, tuas marcas não incomodam
São rugas discretas de uma senhora virtuosa

Ensinarás a todos que tu és como a vida
Vária e curta mas apaixonante por si só
E todos ,no último folego de vida,te olharão
Sonhando que a morte os levem para o céu, para perto de ti

Mares secando tentarão te alcançar
Apenas para te ver de perto,ó rainha das estrelas
E ,quando tu principiares a minguar sem dó
Ninguém será feliz até que sejas ,de novo, Lua cheia

O lixo da cidade

              "Existe algo mais.." pensava Antônio, ou melhor, repetia mentalmente essa frase todos os dias como que quisesse se convencer disso. Não era mais do que um simples catador de latinhas em uma métropole que não lhe tinha piedade. Sua humilde "profissão" era ,na verdade, bastante disputada por tantos flagelados que a periferia conseguia estocar e o mundo aguentava enxergar. Os poucos reais que lhe ofertavam pelo exaustante dia de servidão ao sistema mal lhe rendia um saco de pão para nutrir seus filhos, futuros servos.
              Caminhava pelas ruas à procura de algum descuido, alguém que tenha lhe feito o favor de não jogar aquela bendita latinha no lixo reciclável.Ahh, como odiava aqueles depósitos que roubavam dele seu ouro.
Ao fitar uma ,rapidamente,pegava-a e não tardava em continuar sua caça  maltrapilha ao tesouro
Depois de tanto catar, mal alguentava seu franzino e esquelético corpo em pé e logo guardava o que conseguira no dia .Descansava seus calejados pés , sentando na calçada e observava o movimento frénetico da população.
                  Nesse dia em especial, tomou um pouco de seu tempo e refletiu como nunca. Sabia que não iria ser mais do que era ; era certo. Não queria deixar para seus filhos esse triste legado que lhe foi herdado desde o dia que nasceu ;eles estudavam pelo menos, ele nunca. Pensava que naquele momento iria achar uma grande idéia e que tudo aquilo que pensara antes era uma ilusão; nesse momento, o barulho característico do metal de uma lata contra o solo o tirou de seu sonho. Não pensou e foi logo pegá-la. À noite, foi ao bar se embriaguar; não queria mais pensar, não queria mais sonhar.  
                     
                                                              Fim

quarta-feira, 21 de março de 2012

Pequeno poema didático

O tempo é indivisível. Dize,
Qual o sentido do calendário?
Tombam as folhas e fica a árvore,
Contra o vento incerto e vário.

A vida é indivisível. Mesmo
A que se julga mais dispersa
E pertence a um eterno diálogo
A mais inconseqüente conversa.

Todos os poemas são um mesmo poema,
Todos os porres são o mesmo porre,
Não é de uma vez que se morre…
Todas as horas são horas extremas!

segunda-feira, 19 de março de 2012

Que se faça a luz!

Escurece em torno do último ponto de luz
que emana seu último suspiro
Devagarinho, a luz se torna a única verdade
A pura e simples verdade, tão clara!

Engatinhando e tateando pelas trevas,
todos tentam encontrá-la acima de tudo
O lampejo refletido nos olhos do desespero
se transforma no refúgio desta horrível solidão

Eternidades se passam e a luz não é mais só a verdade
É a realidade em si, o Universo reduzido à um ponto
Os que temem cegar diante da ofuscante luz,
escondem-se e compartilham a dor com o restante dos renegados

Dentro do caos, alguns conseguem fitá-la
e são chamados de iluminados
 Depois que a Luz finalmente apagar, estes serão o únicos
a terem o santíssimo e imaculado isqueiro divino

quinta-feira, 15 de março de 2012

poema adocicado

De minha mãe, herdei esse enorme coração
A maldição de amar demasiado não me foi posta!
Talvez o grande problema de não saber amar em vão
Seja por ventura não conseguir achar resposta

Fito descaradamente rostos pela rua
Procurando talvez um olhar que caia de volta
Ai de mim! Feito de tanto amor, uivo à Lua
Minha ode à aquela que tarda a ir embora

À esse instante, tento não procurá-la
Que vontade tanta dela estar a pensar em mim!
Apenas uma certeza me vem quando a vejo e perco a fala
Que esse infinito acalanto, por Deus, não tem início, meio ou fim.

A extraordinária historia de um Chico

Francisco Correa de Almeida, 32 anos, estava, naquele momento, sentado no sujo banco da estação Uiracoera.
Esperava o seu ônibus que o levaria a um boteco decadente no centro onde trabalhava como garçom dia e noite . Diria ele que não fora o trabalho que sonhava quando ainda tinha  liberdade para isso mas o destino não tinha compaixão; aprendeu quando criança .Alem de seu emprego, possuia uma mulher e um belo casal de filhos; a primeira, testemunha de seu sofrimento, os ultimos, provas de um amor que nunca aflorou. Passos calculados deixavam todo dia  um rastro dissimulado  do resto da sola de seus sapatos e da solidão que lhe batia constantemente no peito enquanto retornava ao murcho seio de sua famíla no final do turno. Aqueles singelos minutos o fizeram pensar, pela primeira vez, em sua maltrapilha existencia. Rostos do passado se misturavam à sonhos desenterrados nesse sublime devaneio que lhe passou por um instante em sua cabeça, momentos antes do ônibus chegar. Lá iria Francisco, mais uma vez, cumprir sua infeliz sina. Enquanto o veículo deixava a estação, alguém diz ter visto a silhueta de um homem a correr à passos desmedidos rasgando sua última gravata borboleta. Deixava para tráz apenas um disfarçado sorriso.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Chuva

Chove desesperadamente na capital.
Por entre ladrilhos e vielas, pecados são levados pela enxurrada
e , em seguida secos, pelo misericordioso Sol
para serem repetidos neste eterno ciclo da petulância humana

Puras,
As crianças ávidas se banham e se deixam derramar
pelo tão esperado pé-d'água
Anos passam
e as crianças velhas pensam apenas em  esconder-se da chuva
,se esquecem de ,ocasionalmente, lavarem as almas.

domingo, 4 de março de 2012

sesta

Vovózinhas ao pé da calçada repousam
no vai e vem de suas cadeiras de balanço.

 Com um novelo de tricô sob os colos
e um tênue sorriso descançado entre os lábios,
teçem os rostos do passado.
   Filhos, maridos, vizinhos...

(têm o dom sublime de abraçar, calorosamente, a Saudade
e a convidar para uma xícara de café no final de tarde)